5 de fevereiro de 2011

CÉLULAS-TRONCO



A diferenciação celular 

   Nosso corpo é formado por trilhões de células, organizadas em diversos tecidos. Todas elas se originam de uma única célula – o zigoto - resultado da união de um espermatozoide com o óvulo. À medida que o zigoto se divide e o embrião cresce, grupos de células vão se tornando diferentes em estrutura e função, devido ao processo de diferenciação celular. Esse processo é controlado pelo DNA, que contém a mesma informação genética em todas as células de nosso corpo. Se a informação contida no DNA é a mesma, como as células podem se tornar tão diferentes? Isso ocorre porque cada tipo de célula diferenciada possui um conjunto particular de genes ativos. Como conseqüência, o conjunto de proteínas codificadas pelos genes em funcionamento varia de acordo com o tipo celular. Por exemplo, nas células das glândulas salivares devem estar ativos genes que codificam as enzimas secretadas na saliva. Os genes que determinam a produção das enzimas da saliva não devem estar ativos em outro tecido do corpo. Essa atividade diferencial dos genes começa a ser determinada no embrião e persiste nos tecidos adultos ao longo da vida. 


  Todas as células têm duas características importantes: o seu grau de diferenciação e a sua potencialidade. Enquanto o grau de diferenciação reflete o quanto uma célula é especializada, a potencialidade refere-se à capacidade que ela tem de originar outros tipos celulares. Quanto maior a potencialidade da célula, geralmente será menor o seu grau de diferenciação. O zigoto é a célula com a máxima potencialidade, pois ele dá origem a todos os tipos de células. No outro extremo, há células com potencialidade nula, como é o caso dos glóbulos vermelhos, que perdem seu núcleo no processo de diferenciação, perdendo, conseqüentemente, a capacidade de originar células iguais a elas. 





Células indiferenciadas: as células-tronco 


  Células-tronco são células indiferenciadas com capacidade de multiplicação prolongada ou ilimitada, capazes de produzir pelo menos um tipo de célula diferenciada. Ao se dividirem, as células-tronco podem produzir dois tipos de células: uma indiferenciada, igual à célula original que mantém o estoque desse tipo celular, e outra um pouco diferente, em início de processo de diferenciação. 


  Elas podem ser classificadas segundo sua capacidade de gerar novos tipos celulares, ou seja, sua potencialidade. Em ordem decrescente de potencialidade estão as células-tronco totipotentes, pluripotentes e multipotentes. O zigoto e as primeiras células que resultam de sua divisão são totipotentes, pois podem originar todos os tipos de células e, se separadas, como ocorre na origem de alguns casos de gêmeos, podem originar até um organismo inteiro. Células pluripotentes são aquelas que conseguem se diferenciar na maioria dos tecidos, menos em anexos embrionários. São células pluripotentes as células-tronco presentes na massa interna do blastocisto, estrutura que corresponde a um aglomerado com cerca de 200 células, no quinto dia do desenvolvimento do embrião. Células multipotentes têm potencialidade para originar alguns tipos celulares. Um exemplo de células multipotentes é o das células da medula óssea, que dão origem a diversos tipos de células sangüíneas. 


  Quanto à sua origem, as células-tronco podem ser classificadas em células-tronco embrionárias ou adultas. 


  As células-tronco embrionárias, atualmente cultivadas em laboratório, são obtidas a partir de um embrião nos estágios iniciais de desenvolvimento, na fase anterior à implantação no útero materno, ou seja, o blastocisto. As células-tronco denominadas embrionárias estão localizadas no interior do blastocisto, formando a chamada massa interna de células, constituída por cerca de 30-35 células. Já camada de células exterior do blastocisto (o trofoectoderma) vai originar estruturas extra-embrionárias como a placenta e o saco amniótico. À medida que o embrião se desenvolve, as células-tronco embrionárias do interior do blastocisto se diferenciam em todos os tipos de células do nosso organismo: sangue, pele, músculo, fígado, cérebro etc. 


  O outro grupo importante de células-tronco são as chamadas células-tronco do adulto. Elas também são versáteis, mas possuem menor potencialidade de diferenciação do que as células-tronco embrionárias. As células-tronco do adulto melhor caracterizadas e mais utilizadas na medicina são as células hematopoéticas da medula óssea. Além da medula óssea, essas células são particularmente abundantes no sangue do cordão umbilical e da placenta dos recém-nascidos. Nesse caso, também são consideradas células-tronco de adulto. 


  Até pouco tempo atrás, sabia-se da existência de células-tronco apenas em um número reduzido de tecidos do organismo adulto: as células-tronco hematopoéticas; as células-tronco gastrintestinais – associadas à regeneração do revestimento gastrintestinal; as células-tronco responsáveis pela renovação da camada epidérmica da pele e as células precursoras dos espermatozóides (espermatogônias). Acreditava-se que as células-tronco de adulto estivessem relacionadas apenas à reposição de células dentro do mesmo tecido de origem, mas descobertas recentes apontaram sua surpreendente capacidade de se transformar em outros tipos de tecidos e de reparar tecidos danificados. 


  Hoje se sabe que as células-tronco de adulto podem estar presentes em vários outros tecidos, sendo as responsáveis pela regeneração parcial destes tecidos no caso de ferimentos ou doenças que os destroem. Até bem pouco tempo, acreditava-se que, uma vez que uma célula-tronco de adulto tivesse sido determinada para se diferenciar em célula de um certo tecido, seu destino não poderia ser mudado e ela não poderia jamais originar célula de um outro tipo de tecido. Porém, pesquisas têm mostrado que elas são mais flexíveis do que se imaginava. Por exemplo, experimentos realizados com células-tronco do cérebro e de músculo de camundongo mostraram que, se manipuladas em laboratório, elas podem originar células hematopoéticas desses animais. 



Terapia celular e as células-tronco 


  A utilização terapêutica de células-tronco é uma das formas mais promissoras de tratamento de muitas doenças. Mas, essa não é uma idéia nova: a medicina já faz uso desse tipo de terapia há muito tempo nos transplantes de medula óssea. 


  O transplante de medula óssea resultou do seguinte raciocínio: como todas as células do sangue e do sistema imunológico são originadas a partir de células-tronco presentes na medula, caso haja algum dano ou problema com esse sistema em uma pessoa, ele pode ser substituído por um sistema saudável. O transplante é indicado para o tratamento de várias doenças graves que afetam as células do sangue, como anemia aplásica grave (doença em que não há formação das células sanguíneas), algumas doenças hereditárias (exemplo, talassemias) e vários tipos de leucemias (exemplos, leucemia mielóide aguda, leucemia mielóide crônica, leucemia linfóide aguda). Os pacientes são inicialmente tratados com altas doses de quimioterápicos e radiação para eliminar as células da medula óssea doente. O tecido sadio de um doador é então introduzido através de uma veia do receptor e as células migram para a medula. 


  Um fator importante a ser observado para o sucesso do transplante é a compatibilidade celular. 






  Antes que o transplante ocorra, os tecidos do receptor e do doador em potencial devem ser analisados para verificar a compatibilidade, ou seja, o grau de semelhança, dos antígenos HLA ( Human Leukocyte Antigen). As células do sangue apresentam em sua superfície proteínas específicas, Major Histocompatibity Complex). Essas proteínas funcionam como antígenos, ou seja, induzem à formação de anticorpos, se transferidas para outro organismo. Nos seres humanos, esses antígenos são denominados HLA. Quanto mais aparentados forem dois indivíduos, mais alelos do MHC eles terão em comum. Se as células tiverem vários desses antígenos HLA diferentes, o sistema imunológico do receptor considera essas células como estranhas e tenta matá-las e as células do doador também tentam eliminar as células do receptor. Esse é o processo de rejeição. Como não é fácil encontrar um doador compatível, muitas vezes são realizados transplantes em que a compatibilidade HLA entre doador e receptor é parcial. Quando não há acesso a um doador compatível, a solução é procurar em bancos de doadores de medula. codificadas por um conjunto de genes conhecidos como Complexo Principal de Histocompatilidade – MHC (do inglês, 


  Além da medula óssea, células-tronco de adulto podem ser facilmente obtidas a partir de cordão umbilical, um órgão que liga o feto à placenta e lhe assegura a nutrição por meio de vasos sangüíneos durante a gestação. Imediatamente após o parto, o cordão é pinçado para impedir que o sangue contido em seu interior se perca, e o sangue é retirado com o auxílio de uma agulha. As células vermelhas do sangue são coletadas e a amostra é congelada e armazenada por até 15 anos, sem que haja perda da qualidade das células-tronco. O uso de células-tronco do sangue de cordão umbilical em transplantes é mais vantajoso do que o de medula óssea, por vários motivos: elas se implantam mais eficientemente, são mais tolerantes à incompatibilidade entre receptor e doador, têm disponibilidade imediata e há possibilidade de realização do transplante sem que o doador seja submetido a qualquer tipo de procedimento cirúrgico. A facilidade de coleta e da análise prévia de antígenos HLA estimulou a criação de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical no Brasil. 


  Quando cultivadas em laboratório, as células-tronco, como as hematopoéticas, por exemplo, podem se diferenciar em células de outros tecidos, tais como fígado, intestino, pele, músculo cardíaco, e células nervosas. 


  Embora se saiba da existência dessas diversas possibilidades de diferenciação, a maneira como isso ocorre ainda não está clara. Por isso, pesquisadores no mundo inteiro buscam compreender os mecanismos envolvidos na diferenciação celular. A idéia é a de que se possa manipular essas células para que elas venham a fornecer outros tipos celulares. 


  Novas tentativas interessantes de terapia usando as células–tronco adultas já foram realizadas, principalmente no tratamento de doenças do coração como os infartos do miocárdio. Nesses casos, há morte de parte do tecido cardíaco e as células remanescentes não são capazes de reconstituir o tecido morto. Experimentos indicam que as células-tronco hematopoéticas introduzidas no sangue são capazes de migrar para áreas doentes e de ajudar a originar novas células de músculo cardíaco e de vasos sangüíneos, mas como isso ocorre exatamente ainda não está claro. 


Regina Célia Mingroni-Netto e Eliana Maria Beluzzo Dessen 

Centro de Estudos do Genoma Humano.Departamento de Genética e Biologia Evolutiva.Instituto de Biociências USP.





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